É primavera na Alemanha e o espetáculo das flores já começou. Uma
infinita variedade de plantas, de todos os tamanhos e cores, ornamenta o país.
O frio foi embora, as folhas verdes pedem passagem e a natureza reinventa mais
uma vez o mundo. A estação das flores transforma a Alemanha num canteiro de
poesias e tons. Dos Alpes até o Mar do Norte as petálas se abrem em cores. O país entra numa dança cromática e é dificil não se fascinar com a beleza dos jardins. Em alguns lugares o solo parece o retrato de um arco-íris e é através de um simbolismo mágico, ao verem a plantação brotar que os alemães também desabrocham. A semeadura começa, é chegada a hora da transformação, as plantas e os bichos acordam e os seres humanos despertam da paralisia do inverno para viver a vida, cultivar a terra e os seus jardins.
Rafaela Carrijo
Em Baden-Württemberg, onde eu moro, as cerejeiras e macieiras são as
mensageiras da primavera, quando suas flores brotam e os frutos aparecem, o período
da geada chegou ao fim. Nas portas das casas maçãs vermelhinhas são colocadas à
venda, num cofrinho os clientes deixam as moedas e saem com as frutas nas mãos.
A primeira mordida tem o gosto doce-azedo e o sabor suculento anuncia que o sol
já aquece a nova estação.
A beleza se espalha pelas ruas germânicas, em cada esquina jardins
primorosos revelam que o alemão é um jardineiro nato. Homens e mulheres plantam
novas mudas e podam ramos. As crianças e os aposentados esperam ansiosos a
chegada do mês de março quando começam o trabalho fascinante de mexer com a
terra, contemplar o desenvolvimento da vida e acompanhar as plantas se erguendo
do solo. Minha grande experiência botânica aconteceu aqui, quando em março de
2008 plantei com meu amado sogro a minha
primeira árvore. No nosso jardim enraizei uma ameixeira que um dia terá frutos
e atrairá as crianças da rua, que sonharão em subir no seu pé para fazer a
colheita. Gosto de infância e cheiro de maturidade terá esta fruta do jardim.
Nesta terra, quem não tem jardim reverência do mesmo modo a primavera.
Dentro das moradias, em cada espaço vazio há um cesto ou ramalhete de flor. As
casas floridas enfeitam a vida moderna, lembrando que a natureza é o nosso
princípio e fim. Se as flores falassem, contariam as história das meninas
brincando de bem-me quer, lembrariam momentos saudosos em que serviram para
homenagear o ente querido que partiu, explicariam o emoção da avó que derramou
lágrimas ao receber um ramalhete, o amor infinito da noiva que segurava um buquê
ou a paixão do jovem que levou flores para a primeira namorada.
Nas floriculturas do país rosas saudam o feminino, margaridas simbolizam
a inocência, hortências mudam de cor e orquídeas perfumam o ambiente. As flores
apuram os sentidos das pessoas e ajudam a expressar os sentimentos deste povo cuja vida nem sempre foi um mar de rosas. Na alma alemã está
plantada a semente da vida e a força para se reerguer. Gerações inteiras
aprenderam com a primavera a graça do recomeço, e talvez por isso, aqui a jardinagem
tenha se transformado numa legítima arte.
É no final da primavera que o cenário de flores se torna ainda mais
deslumbrante. A temperatura sobe e surgem
nos campos os girassóis, que são para mim os grandes senhores das belas
paisagens. Embora sejam plantas originárias da América do sul, poucas vezes vi
esta espécie em um jardim brasileiro. Na Alemanha se adaptaram bem e parece que
aqui eles brilham mais intensamente. Fazem juz ao nome que receberam por se
assemelharem ao astro rei e crescerem do nascente para o poente, acompanhando a
trajetória do sol.
Em Obersulm, na minha pequena vila, existe um imenso campo de girassóis
que é um paraíso particular. As flores amarelas servem de banquete para as
abelhas, encantam borboletas e magnetizam os pássaros. Da minha janela observo os
girassóis gigantes que colorem minhas emoções, sinto a fragância leve que traz
um fôlego novo. É primavera, não faltam tons, não faltam sons, e a sinfonia de
Vivaldi me embala na ciranda das flores.
Primavera – As Quatro Estações- Vivaldi: